Xilogravura e Literatura de Cordel: A Arte e Tradição Popular do Nordeste

Xilogravura e Literatura de Cordel: A Arte e Tradição Popular do Nordeste

No Nordeste do Brasil, tanto a literatura de cordel quanto a xilogravura desempenham papéis culturais significativos e estão profundamente enraizadas nas tradições regionais.

Essa relação simbiótica entre a xilogravura e a literatura de cordel não apenas embeleza os folhetos, mas também amplifica o impacto cultural e educativo das histórias narradas.

1. Xilogravura

Enquanto os textos de cordel oferecem conteúdo e narrativa, as xilogravuras proporcionam uma interpretação visual que torna o conteúdo mais acessível e atraente para o público.

Juntas, essas formas de expressão preservam e transmitem as tradições e histórias da região, desempenhando um papel vital na manutenção da identidade cultural nordestina e na celebração da criatividade popular.

Xilogravura e literatura de cordel no nordeste
Xilogravura
literatura de cordel no nordeste
literatura de cordel no nordeste

Vídeo sobre a Xilogravura

Xilogravura - como se faz?
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Vamos explorar como essas duas formas de expressão artística se entrelaçam e influenciam a cultura nordestina:

2. Literatura de Cordel

Origem e Desenvolvimento

A literatura de cordel tem suas raízes nas tradições populares do Nordeste, sendo um gênero que combina poesia, narrativa e elementos visuais. Sua origem pode ser traçada a partir de diversos fatores históricos e culturais:

  1. Influências Culturais: A literatura de cordel é resultado da fusão de influências europeias, africanas e indígenas. Os poetas trovadorescos, que faziam rimas e canções na Península Ibérica, e as tradições orais africanas e indígenas contribuíram para a formação desse gênero literário.
  2. Chegada dos Imigrantes: A literatura de cordel começou a se estruturar de forma mais consistente no Brasil durante o séc. XIX, quando imigrantes, principalmente portugueses, trouxeram a tradição dos folhetos, que eram vendidos em feiras e mercados. Esses folhetos, que muitas vezes apresentavam histórias de heróis, lendas e eventos históricos, foram adaptados ao contexto local.
  3. Popularização: A partir do século XIX, a literatura de cordel se popularizou nas feiras nordestinas, onde os cordelistas (poetas) vendiam seus folhetos pendurados em cordas, daí o nome “cordel”. Com isso, a literatura se tornou uma forma acessível de expressão cultural para as populações locais, que se identificaram com as histórias contadas.
  4. Imprensa e Xilogravura: A introdução da imprensa e a técnica da xilogravura também foram cruciais para a disseminação da literatura de cordel. As xilogravuras ilustravam os folhetos, tornando-os mais atraentes e ajudando a contar as narrativas de maneira visual.
  5. Temáticas: Os temas abordados na literatura de cordel abrangem desde histórias de amor, aventuras e lendas até críticas sociais, eventos históricos e questões do cotidiano, refletindo a cultura e a realidade da população nordestina.
literatura de cordel
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Características

Escrita em versos rimados e métricos, a literatura de cordel é conhecida por suas narrativas sobre heroísmo, lendas, eventos históricos e questões sociais.

Os textos são frequentemente impressos em folhetos, pendurados em cordas (daí o nome “cordel”) e vendidos em feiras e mercados.

Temas

Os temas abordados incluem desde romances e aventuras até críticas sociais e relatos de acontecimentos locais. É uma forma acessível de disseminar informações e cultura popular.

Xilogravura
Xilogravura

Exemplos de Obras

Várias obras de destaque na literatura de cordel e na xilogravura são reconhecidas por sua relevância e impacto cultural:

  1. “O Romance de Lampião e Maria Bonita”: Escrito por Leandro Gomes de Barros, este cordel narra a famosa história do cangaceiro Lampião e sua companheira Maria Bonita. É um exemplo clássico de como a literatura de cordel aborda figuras do folclore nordestino.
  2. “A Chegada da Prostituta no Céu”: Esta obra de J. Borges é uma xilogravura famosa que, além de ser uma ilustração, oferece uma crítica social e uma reflexão sobre a moralidade e a sociedade.
  3. “A História do Rei do Gado”: Outro cordel de Leandro Gomes de Barros, que conta a saga de um rei que se tornou um poderoso fazendeiro, refletindo as realidades do sertão nordestino.
  4. “O Ladrão de Bagdá”: Esta obra é um exemplo da adaptação de histórias universais para o formato de cordel, mostrando a versatilidade do gênero.
  5. “As Aventuras de João Grilo”: Escrita por Ariano Suassuna, essa obra é uma adaptação para o cordel das histórias do personagem popular João Grilo, um anti-herói que utiliza a esperteza para se sair bem em diversas situações.
  6. “O Martelo de Deus”: Uma obra de Zé da Luz, que retrata a luta do povo nordestino contra as adversidades da seca e a busca por justiça.

Esses exemplos mostram a riqueza e a diversidade da literatura de cordel e da xilogravura, refletindo a cultura e a identidade nordestina.

3. Introdução da Xilogravura no Brasil

Origem e Desenvolvimento

A xilogravura chegou ao Brasil com os colonizadores portugueses e foi adaptada pelos artistas nordestinos para ilustrar a literatura de cordel. Essa técnica de gravura é amplamente utilizada para criar ilustrações que acompanham os versos dos folhetos de cordel.

Características

Consiste em esculpir imagens em uma placa de madeira, que é então entintada e impressa em papel. As xilogravuras são reconhecidas por seu estilo gráfico distinto e suas imagens muitas vezes detalhadas e expressivas.

Temas

As ilustrações muitas vezes retratam cenas dos textos de cordel, como figuras folclóricas, batalhas e eventos históricos, além de elementos decorativos que embelezam os folhetos.

Relação e Impacto no Nordeste

Integração Cultural

A literatura de cordel e a xilogravura são inseparáveis no contexto nordestino. Os folhetos de cordel frequentemente utilizam xilogravuras para ilustrar e enriquecer os textos, criando uma forma de arte combinada que reflete a rica tradição cultural da região.

Preservação de Tradições

Ambas as formas de expressão são fundamentais na preservação e transmissão da cultura popular do Nordeste. Elas documentam histórias, mitos e aspectos da vida cotidiana que poderiam se perder sem esses registros.

Educação e Entretenimento

Servem como meio de educação e entretenimento para a população local, oferecendo uma forma acessível de aprender sobre a história, a cultura e as questões sociais da região.

4. Importância da Xilogravura na Literatura de Cordel

A xilogravura desempenha um papel fundamental na literatura de cordel, contribuindo de várias maneiras para a sua riqueza e impacto cultural:

  1. Interpretação Visual: As xilogravuras oferecem uma interpretação visual das histórias contadas nos cordéis, tornando-as mais acessíveis e atraentes para o público. Elas ajudam a ilustrar os enredos e personagens, enriquecendo a experiência do leitor.
  2. Embelezamento dos Folhetos: A arte da xilogravura embeleza os folhetos de cordel, tornando-os mais convidativos e estimulando o interesse do público. As ilustrações chamativas atraem a atenção e incentivam a leitura.
  3. Preservação Cultural: A xilogravura ajuda a preservar e transmitir a cultura popular nordestina, documentando mitos, lendas e aspectos da vida cotidiana. Essas ilustrações frequentemente retratam elementos da cultura local, contribuindo para a manutenção da identidade regional.
  4. Educação e Conscientização: As xilogravuras não apenas embelezam, mas também informam. Elas podem ilustrar questões sociais, históricas e culturais, servindo como ferramentas educativas que despertam a curiosidade e o interesse em aprender sobre a cultura nordestina.
  5. Expressão Artística: A combinação de xilogravura e literatura de cordel representa uma forma de expressão artística única, onde a arte visual e a literatura se entrelaçam. Isso enriquece a tradição artística da região, promovendo a criatividade popular.
  6. Apoio aos Autores: Muitos cordelistas, como J. Borges, são também xilógrafos. Essa dualidade permite que os autores tenham controle total sobre a apresentação de suas obras, contribuindo para a originalidade e autenticidade dos folhetos.
  7. Promoção da Oralidade: A xilogravura complementa a tradição oral da literatura de cordel, ajudando a contar histórias que muitas vezes são passadas de geração em geração. As imagens ajudam a fixar essas narrativas na memória coletiva.

Exemplos e Impacto

Artistas Famosos

Artistas de destaque na xilogravura nordestina incluem o renomado xilógrafo e cordelista J. Borges, cuja obra é amplamente reconhecida por sua habilidade técnica e inovação estética.

Eventos Culturais

Os principais eventos culturais que celebram a xilogravura e a literatura de cordel no Nordeste são vitais para a promoção e preservação dessas tradições. Alguns dos eventos mais destacados incluem:

  1. Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP): Embora não seja exclusivamente nordestina, a FLIP inclui discussões e celebrações sobre a literatura de cordel e a xilogravura, reunindo artistas, escritores e entusiastas da literatura.
  2. Festival de Inverno de Garanhuns: Realizado em Garanhuns, Pernambuco, este festival promove diversas manifestações culturais, incluindo apresentações de cordelistas e exposições de xilogravuras.
  3. Feira de Cordel de Caruaru: Caruaru, uma das cidades mais tradicionais do Nordeste, realiza uma feira dedicada à literatura de cordel, onde poetas e xilógrafos se reúnem para vender suas obras e realizar apresentações.
  4. Festival de Cordel de São Miguel do Gostoso: Este evento destaca a literatura de cordel e a xilogravura, promovendo oficinas, palestras e apresentações artísticas que celebram essas formas de expressão popular.
  5. Festa do Xilogravador: Realizada em várias cidades do Nordeste, essa festa é dedicada exclusivamente à xilogravura, reunindo artistas e apreciadores para exposições, oficinas e venda de obras.
  6. Semana do Cordel: Várias instituições e escolas no Nordeste promovem a Semana do Cordel, com atividades que incluem recitais, oficinas de criação e exposições de xilogravuras, com o objetivo de educar e engajar a comunidade.
  7. Festa do Folclore: Em diversas cidades nordestinas, as festas folclóricas incluem a literatura de cordel e a xilogravura como parte das manifestações culturais, com apresentações de cordelistas e exposições de obras.

Esses eventos não apenas celebram a literatura de cordel e a xilogravura, mas também promovem a valorização da cultura popular, proporcionando um espaço para artistas se apresentarem e para o público se conectar com suas tradições.

Essas formas de expressão não só enriquecem a vida cultural do Nordeste, mas também desempenham um papel vital na formação da identidade regional e na perpetuação de suas tradições únicas.

História da Xilogravura no Mundo

A xilogravura é uma técnica de reprodução de imagens e textos que utiliza uma matriz de madeira. A matriz é entalhada à mão com um buril ou outro instrumento cortante. As partes altas que receberão a tinta são as que vão imprimir a imagem no papel.

A gravura mais antiga foi encontrada na China, datando do ano de 868. Egípcios, indianos e persas a usavam para a estampagem de tecidos. Mais tarde, foi utilizada para a impressão de orações budistas na China e no Japão. No Ocidente, começou a ser usada no final da Idade Média (segunda metade do século XIV), empregada em cartas de baralho e imagens sacras.

No século XV, pranchas de madeira eram gravadas com texto e imagem para a impressão de livros que, até então, eram escritos e ilustrados à mão. Com os tipos móveis de Gutenberg, as xilogravuras passaram a ser utilizadas apenas para ilustrações.

No Brasil, a xilogravura chegou com a mudança da Família Real portuguesa para o Rio de Janeiro. Os primeiros xilogravadores apareceram depois de 1808, principalmente nas capitais, produzindo cartas de baralho, ilustrações para anúncios, livros e periódicos.

O primeiro folheto de cordel impresso conhecido é de autoria de Leandro Gomes de Barros (1865-1918). A xilogravura foi usada por muito tempo para ilustrações de periódicos, como o Jornal Mossoroense (RN), um dos mais antigos em atividade no Brasil, que continha xilogravuras elaboradas por seu dono João da Escóssia, considerado o primeiro xilógrafo potiguar.

A xilogravura popular nordestina ganhou fama pela qualidade e originalidade de seus artistas. Hoje, muitos gravadores nordestinos vendem suas gravuras soltas e continuam a produzir ilustrações para as capas dos cordéis. Quase todos os xilógrafos populares brasileiros, especialmente no Nordeste, provêm do cordel.

Entre os mais importantes presentes no acervo da Galeria Brasiliana estão: Abraão Batista, José Costa Leite, J. Borges, Amaro Francisco, José Lourenço e Gilvan Samico.

José Francisco Borges, considerado um dos mais importantes nomes da gravura popular brasileira, fez sua primeira xilogravura para o folheto “O Verdadeiro Aviso de Frei Damião (sobre os castigos que vêm)”, também de sua autoria. Em quase 40 anos de carreira, J. Borges escreveu mais de 200 cordéis, que, com exceção do primeiro, foram ilustrados por ele próprio.

O artista destaca a gravura “A Chegada da Prostituta no Céu”, de 1976, como sua obra mais famosa. Sua obra retrata o cotidiano do homem do Nordeste, a cultura e o folclore, além da luta do povo na vida do sertão. Outro tema frequente no cordel e nas gravuras de J. Borges é o cangaço.

Diferenças entre Xilogravura e Outras Técnicas de Impressão

A xilogravura é uma técnica de impressão específica que utiliza uma matriz de madeira para criar imagens. Aqui estão algumas das principais diferenças entre a xilogravura e outras técnicas de impressão:

  1. Material da Matriz:
    • Xilogravura: Usa uma matriz de madeira, que é entalhada para criar a imagem. As áreas que não devem receber tinta são removidas, enquanto as partes elevadas imprimem a imagem.
    • Outras Técnicas: Outras técnicas, como a litografia (que usa pedra), a serigrafia (que utiliza uma tela) e a gravura em metal (que usa placas de metal), empregam diferentes materiais como base para a impressão.
  2. Processo de Criação:
    • Xilogravura: O artista entalha a imagem diretamente na superfície da madeira, criando um relevo que será usado para a impressão. É um processo que exige habilidade manual e um entendimento das propriedades da madeira.
    • Outras Técnicas: Na litografia, por exemplo, a imagem é desenhada com um material oleoso em uma pedra e, em seguida, tratada com ácido. Na serigrafia, a tinta é forçada através de uma tela esticada. Cada técnica tem seu próprio método de criação e impressão.
  3. Estilo e Textura:
    • Xilogravura: Produz um estilo gráfico distinto, com linhas e texturas que são características do entalhe em madeira. As imagens resultantes tendem a ter um aspecto mais rústico e expressivo.
    • Outras Técnicas: A gravura em metal, por exemplo, pode gerar uma variedade de efeitos de textura e suavidade, dependendo do processo utilizado. A serigrafia pode produzir uma ampla gama de cores e padrões, permitindo maior versatilidade.
  4. Tinta e Impressão:
    • Xilogravura: Normalmente utiliza tintas à base de óleo ou à base de água e é impressa manualmente, muitas vezes com a ajuda de uma prensa de impressão.
    • Outras Técnicas: A litografia e a serigrafia usam tintas específicas que podem ter diferentes composições químicas, e as impressões podem ser feitas em uma prensa ou por métodos digitais.
  5. Aplicações:
    • Xilogravura: É frequentemente utilizada em ilustrações de livros, como na literatura de cordel, e em obras de arte originais.
    • Outras Técnicas: A litografia é comum em cartazes e obras de arte fine art, enquanto a serigrafia é popular na produção de camisetas e outros produtos gráficos devido à sua capacidade de reproduzir imagens em larga escala.

Em resumo, a xilogravura se destaca por seu uso de madeira como matriz, seu estilo gráfico característico e suas técnicas de impressão manuais, diferenciando-se de outras práticas de impressão que utilizam materiais e métodos distintos.

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