O barroco surgiu no Brasil um pouco mais tarde, no decorrer do século XVIII.
O Barroco Mineiro foi uma versão peculiar do Barroco que se desenvolveu em Minas Gerais entre os séculos XVIII e XIX.
A arquitetura, a pintura, a escultura sacra e a música tiveram destaque no barroco mineiro. Evocando a religião em cada detalhe, o barroco mineiro seguiu a tendência da Arte Barroca, crescendo, sobretudo, em torno das igrejas e confrarias.
A história de Minas Gerais começa com as primeiras bandeiras paulistas realizadas para explorar o território no século XVI, mas foi no final do século XVII em diante, com a descoberta de jazidas de ouro e de outras pedras preciosas, que as primeiras vilas começaram a ser criadas e o território foi ocupado, já que os bandeirantes e estrangeiros se sentiram atraídos pelas riquezas que o local proporcionaria.
De início, a localidade ficou vinculada à capitania do Rio de Janeiro, mas como os bandeirantes paulistas foram supostamente os que encontraram as minas auríferas, em 1709 Minas se uniu à Capitania de São Paulo, formando a Capitania de São Paulo e Minas Gerais. Somente em 1720 ela se tornaria autônoma e denominada Capitania de Minas Gerais.
Além dos primeiros desbravadores, grandes quantidades de reinóis e habitantes de outras áreas da colônia também chegaram à capitania, encantados com a notícia do ouro lá existente.
A partir daí, inúmeros portugueses, incluindo artistas, vêm da metrópole para a colônia buscando rápido enriquecimento e trazem consigo muitas gravuras e livros sacros ilustrados que serão utilizados como referência nas pinturas coloniais.
Assim, os primeiros artistas serão os portugueses, os quais passarão suas técnicas e referências aos brasileiros, que as reproduzirão em suas obras.
São Paulo não teve uma difusão do Barroco tão esplendorosa, o que nos faz crer que a influência do movimento nas terras mineiras tenha realmente chegado através dos vindos da metrópole. No entanto, não podemos subestimar os paulistas e outros colonos, que certamente trouxeram traços dessa arte para Minas Gerais, mesmo que com menos representatividade.
Diferente de outras escolas como Bahia e Pernambuco, que estavam muito mais ligadas ao estilo formal da arte europeia, o Barroco Mineiro se caracterizou pela diversidade e pelo ecletismo.
O Barroco Mineiro não segue padrões acadêmicos, priorizando usar cores mais uniformes e feições mais ingênuas e joviais.
Fato é que com o grande contingente de pessoas chegando às “novas” terras, vilas como Sabará, Mariana, Ouro Preto, São João Del Rei e Congonhas do Campo começaram a se desenvolver e a formar seus grandes edifícios, que demandavam uma influência arquitetônica, no caso, a Barroca.
Brevemente, a respeito da arquitetura mineira colonial, podemos citar Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, como o maior e mais conhecido arquiteto do Barroco brasileiro.
Como este possuía um talento ímpar, as ordens religiosas, principalmente a Carmelita e a Franciscana, requisitaram seus trabalhos, sendo ele quem projetou a Igreja de São Francisco, na cidade de Ouro Preto, e a de Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas do Campo.
O escultor sempre se utilizava de medalhões e entalhes, muitos deles cobertos de ouro, e foi no Santuário de Matosinhos onde realizou uma de suas maiores obras, a dos doze profetas esculpidos de forma que seus gestos se coordenam e dão aparência de movimento.
Vale ressaltar que a arquitetura e pinturas barrocas sempre estiveram ligadas, pois muitas das produções iconográficas se desenvolveram graças aos grandes tetos e paredes das construções – principalmente igrejas – que precisavam ser decoradas. Assim, os pintores entravam para realizar os adornamentos.
Aleijadinho e o pintor Manuel da Costa Ataíde trabalharam na Igreja São Francisco de Assis, em Ouro Preto.
O importante a se ressaltar no caso da pintura colonial barroca mineira, é que a utilização de modelos europeus para realizá-las era algo comum para os pintores da época. Todavia, não se pode caracterizá-los como meros copistas, desprovidos de criatividade e talento.
A imitação seria definida mais como a invenção de uma obra distinta, mas sem o ocultamento do modelo, pois, muitas vezes, a apreciação do artista por tal obra era tão grande que ele queria se igualar ou superar a obra inicial.
Talvez no caso brasileiro a questão do porquê de se utilizar a cópia seja um pouco diferente, mesmo que esta primeira hipótese não precise ser descartada.
Para a arte ou literatura chegar à colônia brasileira, primeiramente deveria passar por uma avaliação em Portugal, que poderia censurar a obra e impedi-la de entrar na América.
Dessa forma, a maior parte do que aqui chegava com o aval português era de caráter religioso, como missais, bíblias, entre outros livros sacros.
Muitos desses livros vinham acompanhados com ilustrações das passagens bíblicas e dos mais importantes acontecimentos religiosos para o imaginário cristão.
Como a maioria dos artistas mineiros era financiada por clérigos, paróquias e Irmandades, cabia a eles produzir obras voltadas ao catolicismo, se utilizando dessas gravuras que aqui possuíam retiradas dos livros religiosos – era melhor copiar o que já vinha aprovado de Portugal, do que tentar inovar e acabar sendo censurado pelos fiscais da colônia.
Aqui talvez entre também a hipótese do sentimento de emulação pelo artista do outro lado do Oceano Atlântico, pois a admiração poderia levar ao anseio de querer fazer algo parecido para ficar igualmente belo.
Esses fatores levavam um mesmo artista a produzir obras heterogêneas, pois as gravuras nas quais se inspiravam eram de pintores diferentes.
Manuel da Costa Ataíde, ou mestre Ataíde, foi um dos artistas que se utilizaram de outras obras para compor suas produções.
O mineiro nasceu por volta de 1762, na cidade Mariana, e pouco se sabe sobre sua vida.
A grande característica de suas pinturas está no fato de que ele fazia muito bem a utilização da perspectiva – colunas que parecem avançar para o céu em interação com anjos e santos, por exemplo – nas pinturas realizadas nos tetos das igrejas e também nas obras avulsas.
O declínio do barroco não significou o fim das artes plásticas em Minas; a partir da segunda metade do século XIX, a pintura, já divorciada da arquitetura, desenvolveu-se sob a influência do neoclassicismo e do romantismo europeus.
As maiores expressões do barroco mineiro foram mestre Ataíde e Aleijadinho
Biografias de Manuel da Costa Ataíde e Aleijadinho
1. Manuel da Costa Ataíde
O mestre Ataíde nasceu em Mariana, em 1762, e morreu em 1830, aos 68 anos. Foi um dos pintores, douradores e artífices na arte da encarnação mais relevantes da época.
Pouco se sabe sobre a vida do mestre Ataíde. Sua primeira obra pública foi a corporificação de dois ícones de Jesus para a Igreja do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas do Campo, no ano de 1781.
Foi um dos poucos pintores mineiros reconhecidos no período. Era visto como uma figura humana, religiosa, membro de diversas irmandades, pessoa desprendida materialmente e que cobrava preços justos por suas obras.
Vídeo mostrando a Biografia do Mestre Ataíde
2. Biografia de Aleijadinho
Antônio Francisco Lisboa, conhecido como Aleijadinho, nasceu em Cachoeira do Campo, distrito de Ouro Preto, na primeira metade do século XVIII.
Antônio Francisco Lisboa mudou a história da arte no Brasil. Mestre Aleijadinho, como ficou mundialmente conhecido, recebeu esse nome devido à deficiência que o acometeu até a morte.
Boa parte da produção artística da oficina de mestre Aleijadinho está concentrada na cidade histórica de Ouro Preto.
Mas é em Congonhas que se encontra o famoso conjunto do Santuário do Bom Jesus do Matosinhos, com os doze profetas esculpidos em pedra-sabão e os seis passos da Paixão de Cristo.
Entre os ícones da produção do artista está a Igreja de São Francisco de Assis, arquitetada por ele em 1766. Essa obra também possui detalhes de autoria da sua oficina, como o altar-mor, o retábulo, o frontispício e a fonte-lavabo da sacristia.
Em 1767, morreu seu pai, o arquiteto português Manoel Francisco Lisboa. No entanto, como Aleijadinho não era filho legítimo, não foi contemplado no testamento.
Em 1777, Aleijadinho foi à cidade do Rio de Janeiro para um processo judicial de reconhecimento de paternidade de seu filho, que levava o mesmo nome do avô, Manoel Francisco Lisboa, com uma escrava forra, assim como sua mãe era quando ele nasceu, chamada Narciza Rodrigues da Conceição.
Neste mesmo ano, é detectada uma doença grave, que deforma seu corpo e os membros, principalmente as mãos.
O apelido Aleijadinho foi dado ao artista por causa dessa enfermidade, que o fazia trabalhar de joelhos após perder os dedos dos pés. Apesar da doença, o mestre artífice continuou trabalhando em sua oficina.
Em 1800, o artista trabalhava na execução das estátuas em pedra-sabão dos profetas, localizadas no adro do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas. Os seis passos da Paixão de Cristo, representados nas capelas em frente ao Santuário, também foram construídos nessa época, também pela oficina do mestre Aleijadinho.
Os profetas e a Paixão de Cristo, em Congonhas, e a Igreja de São Franaacisco de Assis, em Ouro Preto, são reconhecidas como as maiores obras do artífice.
Aleijadinho deixou para a posteridade, ainda, capelas, igrejas e ornamentações em várias cidades como Sabará, São João del-Rei, Tiradentes, Caeté, Mariana, Felixlândia, Matosinhos, Barão de Cocais e São Paulo (capital), com peças hoje expostas no Palácio dos Bandeirantes.
Veja também a completa Biografia de Aleijadinho
Barroco Mineiro
- A Influência da Geografia na Arquitetura Barroca Mineira
- Peculiaridades da Escultura no Barroco Mineiro
- A Pintura Barroca de Mestre Ataíde: Espiritualidade, Técnica e Simbolismo
- Principais Obras do Mestre Ataíde
1. A Influência da Geografia na Arquitetura Barroca Mineira
A configuração geográfica montanhosa e irregular da região de Minas Gerais exerceu papel fundamental no desenvolvimento de uma arquitetura barroca singular.
O relevo acidentado, caracterizado por morros e vales, influenciou diretamente o processo de ocupação urbana, resultando em uma forma de urbanização distinta e visualmente impactante.
Nos pontos mais elevados das cidades, foram erguidos os principais templos religiosos, estratégia que conferiu maior visibilidade e destaque simbólico a essas construções. Essa disposição contribuiu para uma integração estética entre a arquitetura sacra e a paisagem natural, reforçando o caráter contemplativo e espiritual do espaço urbano.
A topografia desafiadora, longe de ser um obstáculo, foi incorporada ao projeto urbano e arquitetônico, criando cenários de grande expressividade visual, que ainda hoje despertam o interesse de estudiosos e visitantes. As cidades históricas mineiras, como resultado desse processo, consolidaram-se como um dos principais núcleos do barroco brasileiro.
2. Peculiaridades da Escultura no Barroco Mineiro
A escultura barroca mineira desenvolveu características próprias, em parte decorrentes do isolamento geográfico em relação ao litoral, o que dificultava a importação de obras e materiais europeus, especialmente os de origem portuguesa.
Diante dessas limitações, os artistas locais passaram a utilizar materiais disponíveis na região, como o cedro e a pedra-sabão, adaptando suas técnicas às condições materiais e estruturais do ambiente. Essa adequação criativa resultou em uma produção escultórica original, que reflete tanto a influência europeia quanto as condições locais de produção artística.
Um dos exemplos mais emblemáticos dessa expressão escultórica é o conjunto dos Doze Profetas de Aleijadinho, localizado no adro do Santuário do Bom Jesus de Matozinhos, na cidade de Congonhas. Essas esculturas sintetizam a riqueza técnica e a complexidade simbólica da obra do artista. O conjunto destaca-se como exemplar do barroco brasileiro, pela disposição cenográfica das estátuas em um espaço arquitetônico cuidadosamente planejado.
Individualmente, porém, as figuras apresentam assimetrias e detalhes ornamentais que remetem ao estilo rococó, revelando uma fusão estética que marca a originalidade e a expressividade do barroco mineiro.
3. A Pintura Barroca de Mestre Ataíde: Espiritualidade, Técnica e Simbolismo
A pintura de Mestre Ataíde é reconhecida por sua profunda espiritualidade e por um estilo visualmente inquietante, marcado por fortes elementos simbólicos e técnicos. Suas obras destacam-se pelo uso do contraste entre claro e escuro, técnica que intensifica a sensação de profundidade e dramatismo. Além disso, é frequente o uso de figuras desproporcionais em relação à perspectiva, desafiando os cânones clássicos do equilíbrio visual.
Sua composição assimétrica e diagonal rompe com a unidade geométrica e o equilíbrio renascentista, adotando uma estética grandiosa, monumental e retorcida, típica do barroco tardio e próxima do rococó.
3.1. O Simbolismo das Cores na Pintura Barroca
Na pintura barroca, as cores possuem uma função que transcende o aspecto meramente estético: são elementos fundamentais da iconografia sacra, carregando significados espirituais e emocionais.
Mestre Ataíde, ao aplicar sua paleta, “faz viverem cores e imagens”, conferindo-lhes vitalidade simbólica. Entre as cores mais recorrentes em sua obra destacam-se o vermelho e o azul, ambos com profundo conteúdo simbólico:
- O vermelho, na tradição iconográfica barroca, representa o amor divino, a caridade, a adoração a Deus, além de evocar o temor sagrado, a proteção espiritual, o êxtase místico, o martírio, o sofrimento, a realeza e o poder absoluto.
Também se atribui ao vermelho um sentido de energia vital e sexualidade sublimada, como expresso em interpretações simbólicas que o contrapõem ao azul:
“O vermelho vivo, berrante, indica, com segurança, extroversão sexual, embora sublimado pelos motivos sacros […] Ele fornece-nos, simbolicamente, os elementos manifestantes da sexualidade irreprimida, tal o azul, os sentimentos opostos aninhados na alma do decorador.”
- O azul, por sua vez, remete à obscuridade, ao sobrenatural, ao mistério divino, e ao êxtase diante da vida extraterrena. Sua associação com o infinito induz ao sonho, aguça a curiosidade mística e atrai o fiel à fé e à contemplação.
3.2. O Simbolismo do Ouro
O uso do ouro na pintura e na talha barroca não é apenas decorativo, mas profundamente simbólico. O amarelo, o ouro e o sol constituem três graus de uma mesma revelação espiritual, simbolizando a união da alma com Deus e a luz divina que se manifesta aos profanos.
Embora o ouro seja um metal precioso, na prática iconográfica barroca ele adquire o valor simbólico da própria luz divina — pura, genuína e transcendental. Dessa forma, a aplicação do ouro em elementos arquitetônicos e pictóricos busca materializar o sagrado, transformando o espaço artístico em expressão da presença divina.
4. Principais Obras do Mestre Ataíde
- Pinturas nos Tetos
- Pintura de Cavaletes
- Douração de Talha em Madeira e Pintura de Estátuas
Os tetos, são os mais marcantes legados de Mestre Ataíde.
4.1. Pinturas nos Tetos
4.1.1. A “Ascensão de Cristo” na Matriz de Santo Antônio em Santa Bárbara: O Início do Ilusionismo Pictórico de Mestre Ataíde
O teto da Matriz de Santo Antônio, localizada na cidade de Santa Bárbara (MG), abriga aquela que é considerada, possivelmente, a primeira obra de Mestre Ataíde no gênero ilusionístico. Essa composição marca um momento decisivo na trajetória do pintor, inaugurando uma fase em que a pintura se funde com a arquitetura, criando uma experiência visual de profundidade e teatralidade.
A técnica de ilusão arquitetônica tem início já na cimalha, onde o artista pintou dois consoles em cada lateral da nave, dando início à construção visual de um espaço tridimensional fictício.
Sobre cada console, ele representou um pedestal e uma coluna, que se conectam ao medalhão central por meio de um delicado concheado, elemento ornamental típico do rococó, que reforça a leveza e a fluidez da composição.
A cena é enriquecida por diversos elementos ilusionísticos, como figuras de atlantes, falsos pilares, púlpitos pintados, formas vegetais e rocalhas, compondo um conjunto que desafia os limites entre o real e o representado, entre a estrutura material e a pintura.
No centro do teto, no medalhão principal, está representada a Ascensão de Cristo, cercado pelos doze apóstolos e pela Virgem Maria. A disposição das figuras e o tratamento da luz conferem à cena um caráter de elevação espiritual, conduzindo o olhar do espectador ao alto, em sintonia com os propósitos devocionais do espaço sacro.
4.1.2. “Assunção de Nossa Senhora” é uma das obras mais famosas e conhecidas de Mestre Ataíde
A “Assunção de Nossa Senhora” é uma das obras mais emblemáticas e reconhecidas do pintor Mestre Ataíde, destacando-se tanto pela complexidade compositiva quanto pela expressividade simbólica.
O medalhão central retrata a gloriosa Assunção da Virgem Maria, envolta por uma vibrante orquestra celeste de anjos, representados em diferentes idades e atitudes, conferindo dinamismo e diversidade à cena.
Notavelmente, tanto Maria quanto diversos anjos apresentam traços afrodescendentes, revelando um traço singular da produção artística de Ataíde, que introduz elementos da realidade local à iconografia tradicional, humanizando as figuras sagradas e propondo uma representação inclusiva no contexto colonial brasileiro.
A Virgem aparece em atitude de oração, assentada sobre um trono de nuvens, envolta por raios de luz e sustentada por um crescente lunar, símbolo tradicional da Imaculada Conceição, que reforça seu caráter celeste e puro.
Trata-se de uma composição visualmente densa, marcada pelo uso expressivo da cor, pela integração com a arquitetura da igreja e pelo forte teor espiritual e devocional, características centrais da pintura barroca mineira.
4.1.3. A Pintura Ilusionística de Mestre Ataíde na Matriz de Santo Antônio
A Pintura Ilusionística de Mestre Ataíde na Matriz de Santo Antônio em Ouro Branco e as Representações na Igreja de São Francisco de Assis em Mariana.
Uma das mais notáveis obras ilusionísticas atribuídas a Mestre Ataíde encontra-se no teto da Matriz de Santo Antônio, localizada na cidade de Ouro Branco. Nesta composição, predomina o uso de linhas retas, o que representa uma ruptura com a tradição barroca de curvas sinuosas e movimentação cênica. Tanto a organização do espaço pictórico quanto a paleta cromática adotada revelam escolhas inovadoras para o período.
No medalhão central, ricamente ornamentado, observa-se a representação da Virgem Maria, do Menino Jesus e de Santo Antônio de Lisboa. Maria encontra-se entronizada em nuvens, com um semblante sereno e acolhedor, enquanto o Menino Jesus, de pé sobre uma mesa, dirige-se a um Santo Antônio em atitude devocional, conferindo à cena uma aura de intimidade e sacralidade.
Na Igreja de São Francisco de Assis, em Mariana, duas importantes composições dividem o forro da sacristia, ambas retratando a Agonia de São Francisco. Embora não existam documentos que atestem formalmente a autoria de Mestre Ataíde, a obra foi atribuída ao artista por meio de estudos comparativos realizados por diversos especialistas, que identificaram traços estilísticos característicos de sua produção.
Diferentemente da pintura ilusionística presente na Matriz de Santo Antônio, nas obras de Mariana o artista opta por grandes cenas abertas, com fundos paisagísticos, nos quais se evidencia sua habilidade em transmitir significados profundos por meio da manipulação das cores e do equilíbrio compositivo. Trata-se de um exemplo claro da versatilidade de Ataíde, capaz de adaptar-se a diferentes demandas narrativas e espaciais, sem perder a densidade simbólica que marca sua obra.
4.2. Pintura de Cavalete: A Produção em Telas e Painéis de Mestre Ataíde
Além de sua consagrada atuação na pintura ilusionística de forros, Mestre Ataíde também se destacou na produção de obras de menor dimensão, realizadas sobre telas ou painéis de madeira, que evidenciam sua versatilidade técnica e inventividade iconográfica.
Dentre essas obras, merece especial atenção a tela A Última Ceia, datada de 1828, amplamente reconhecida como uma de suas criações mais relevantes. Esta composição revela com clareza a capacidade criativa do artista, expressa nos detalhes anedóticos que conferem dinamismo e humanidade à cena. Um elemento que chama a atenção é a presença de ossos de carneiro sobre a mesa, o que representa uma leitura heterodoxa do episódio bíblico, em tensão com os preceitos iconográficos tradicionais do Catolicismo.
Outras pinturas de cavalete de Mestre Ataíde também se destacam por sua riqueza simbólica e técnica refinada:
- Cenas da Vida de Abraão e São Francisco Alcança as Graças da Porciúncula, localizadas na Igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto;
- Nossa Senhora do Carmo, o Menino Jesus e São Simão Stock, parte do acervo do Museu da Inconfidência;
- Flagelação de Cristo, pertencente ao acervo dos Palácios do Governo do Estado de São Paulo;
- Cristo a Caminho do Calvário, em exibição no Museu de Arte Sacra de Mariana;
- Batismo de Cristo, instalado na Catedral de Mariana.
- Tais obras reforçam a singularidade do legado artístico de Ataíde, cuja imagética religiosa, mesmo nos formatos mais intimistas, mantém densidade teológica, apelo emocional e inovação compositiva, características que o consagram como um dos mais importantes representantes do Barroco Mineiro.
“A Última Ceia”, de Mestre Ataíde: uma obra-prima do acervo do Caraça
A pintura A Última Ceia, realizada em 1828 pelo tenente-pintor Manuel da Costa Ataíde (1762–1830), configura-se como uma das mais significativas expressões artísticas do Complexo do Caraça, tanto por sua riqueza simbólica quanto por sua composição formal.
No centro da tela, a figura de Cristo destaca-se, aureolada por uma luz intensa, elemento que reforça sua natureza divina. Ele é circundado pelos doze apóstolos, organizados harmonicamente em grupos de três, conforme os cânones clássicos da composição sacra.
A mesa, coberta com uma toalha rendada, cuidadosamente representada com dobras visíveis, remete à autenticidade e ao realismo. Sobre ela encontram-se o pão e o vinho, símbolos eucarísticos por excelência, além de um prato com carne de cordeiro, uma clara alusão ao Cordeiro Pascal, que remete ao sacrifício redentor de Cristo.
No plano inferior, a bacia e a toalha utilizadas no Lava-Pés sugerem a dimensão do amor cristão como serviço, antecipando a narrativa da Paixão.
A figura de Judas Iscariotes, o traidor, encontra-se em posição frontal, à frente da mesa, prestes a deixar o recinto. Ele segura uma bolsa de dinheiro, símbolo de sua traição, e sua expressão parece dirigir-se ao espectador, instaurando um diálogo direto com quem contempla a obra, independentemente da posição que ocupe na igreja — recurso típico da teatralidade barroca.
Nas extremidades da cena, do lado esquerdo, três personagens compõem um episódio secundário: uma jovem servente carrega pães, sendo acariciada por um homem que a segue de perto, enquanto uma mulher mulata, presença constante nas obras de Ataíde, reforça sua atenção às identidades afrodescendentes no contexto colonial. À direita, mais duas figuras entram em cena de maneira festiva e espontânea, ampliando a narrativa para além do núcleo apostólico.
Segundo os registros da Casa, a pintura teve o custo de 350$000 réis, e foi encomendada pelo Padre Jerônimo de Macedo, então superior do Caraça. A atribuição autoral, hoje confirmada, foi reforçada posteriormente pelo pintor alemão George Grimm, que, ao visitar o local, inscreveu o nome de Ataíde na obra, já que o artista raramente assinava suas criações.
Esta pintura sintetiza a genialidade de Mestre Ataíde em conjugar o rigor simbólico do catolicismo, a delicadeza técnica, e a inclusão de tipos sociais diversos, resultando em uma obra que transcende o mero registro religioso e se afirma como documento histórico, teológico e estético.
4.3. Douração de Talha em Madeira e Pintura de Estátuas
Detalhe do “Cristo carregando a Cruz”, parte da série de esculturas de Aleijadinho encarnadas por Mestre Ataíde.
Além da pintura de tetos, telas e painéis de madeira, Mestre Ataíde realizava a douração de talha em madeira e a pintura de estátuas, com uma técnica conhecida como encarnação e estofamento.
A encarnação visa imitar o efeito da carne humana nas partes visíveis do corpo (como rosto e mãos), e o estofamento imita vestimentas e tecidos. As obras dele estão presentes em várias igrejas mineiras.
Ele também deixou sua marca em diversos aspectos da decoração das igrejas e projetou a arquitetura de retábulos e objetos litúrgicos, como castiçais e crucifixos.
Um exemplo desse trabalho é a Igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, em Ouro Preto. Ela demonstra como a decoração dos interiores era vista por Ataíde: como uma obra única, integrando arquitetura, pintura, talha e objetos.
Além de tudo isso, ele foi ilustrador (pintando iluminuras em Livros de Compromisso de Irmandades) e pintou a mais importante série de estátuas de Aleijadinho, instalada nas Capelas dos Passos do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos.
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